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Militante do CEL_Lisboa. Uma fusão de ortodoxia e heresia.

“Nós temos de estar do lado dos de baixo”

Entrevista realizada por C. Orfiso a Maya Ayam, militante do Coletivo Quebrando Muros no Brasil que tivemos a sorte de conhecer em Portugal e com quem muito aprendemos. Achámos que deixá-la ir embora sem primeiro podermos partilhar um pouco da sua perspetiva com mais gente do nosso contexto seria um ato de egoísmo. Obrigada Maya!

Apoio Mútuo: Oi Maya, tudo bem?

Maya Ayam: Olá, tudo bem, e com você?

AM: Também. Para começar fala-nos um pouco de ti e do que fazes na vida?

MA: Bem, eu vivo em Curitiba, Paraná, e atualmente estudo Ciências Sociais, licenciatura, para dar aulas de Sociologia no ensino secundário, pela Universidade Federal do Paraná, e também tenho dado aula no PIBID que é um projeto da universidade que coloca o estudante de Ciênciais Sociais dando aulas com o professor para aprender a docência… e milito no Quebrando Muros (risos) Ah, e tenho 22 anos e sou natural do interior de São Paulo.

AM: Quando e por que é que te juntaste ao movimento estudantil no Brasil e à tendência Quebrando Muros?

MA: Eu entrei na universidade em 2015, foi quando saí da minha cidade em Itapeva no interior de SP para fazer UFPR em Cutiriba, e assim que entrei em Ciência Sociais e tive contacto com a universidade, tive contacto com o movimento estudantil e com o Coletivo Quebrando Muros e ao passo que fui conhecendo a realidade da universidade e a importância que o movimento estudantil (ME) tem para que as demandas dos estudantes sejam atendidas comecei a perceber a importância de estar militando, de estar atuando dentro do ME. Atuando dentro do ME, participando de protestos, participando inclusivé de uma ocupação à reitoria em 2015, pude ter proximidade com o Quebrando Muros e proximidade com a prática, e perceber que a importância de estar militando organizado dentro do ME para potenciar a sua militância, porque você não estará atuando somente sozinho mas coletivamente, é o que eu acredito, e vendo a atuação do CQM, sempre baseada na ação direta, na horizontalidade, de preservar que as decisões sejam tiradas em assembleia, decididas coletivamente, que todas possam fazer parte do processo, enfim essa postura mais radical e essa postura de base fez com que eu me interessasse pelo CQM  e a partir do 2º semestre de 2015 comecei o meu processo de me aproximar do CQM.

AM: Em Portugal e no resto da Europa, o modelo de organização e atuação através do agrupamento de tendência não é nada comum. Podes contar um pouco mais sobre o que é que é isto da tendência?

MA: A tendência é algo bem comum na América Latina e ela seria o intermédio entre o político e o social; ela não se coloca como organização política e ela não é o movimento social, a ideia é que para você estar dentro do coletivo você não precisa de um afinamento teórico, como se daria na organização política, o necessário é um acordo tático onde os princípios que norteiam o CQM são os princípios com que você precisa de concordar para entrar no CQM, porque nós entendemos que não existe um vácuo de poder, e o movimento estudantil é um movimento social, ainda mais no contexto da universidade brasileira onde através das cotas étnico-raciais e as cotas sociais, a partir do momento em que se implanta essas cotas o cenário das universidades brasileiras mudou: estudantes trabalhadores, estudantes pobres, estudantes não-brancos, que antes não tinham acesso à universidade, hoje estão na universidade, e as suas demandas, as suas urgências, estão latentes. Estas pessoas entraram na universidade mas precisam de se manter, e para que o movimento estudantil seja forte, seja autónomo, para atender as demandas dos de baixo, para atender as demandas dos estudantes, é necessário que estejamos dentro do movimento. É muito comum dentro do movimento estudantil que ele se torne algo burocratizado pela esquerda institucional, por partidos políticos e organizações políticas que estão no movimento estudantil para recrutar membros, para negociar quer seja com a reitoria ou com o governo ao invés de estarem de facto com os estudantes, levantando as suas demandas. Então é necessário que nós nos organizemos como coletivo, como tendência, para estar no movimento estudantil, influenciando o movimento estudantil, imprimindo o que a gente acredita, os nossos princípios, horizontalidade, ação direta, trabalho de base, etc, para que eles estejam no movimento estudantil, porque só assim o movimento pode crescer, pode se tornar combativo, e reinvidicar pela base as suas próprias demandas, então eu acredito que é de extrema necessidade que a gente se organize desta forma.

AM: Princípios como o Federalismo, Horizontalidade, que acabaste de referir, e Democracia Direta, são base para a atuação do CQM no movimento estudantil. Como é que estes se refletem na atuação numa entidade de base estudantil que na maioria das vezes se encontra burocratizada e aparelhada, como os Diretórios Académicos?

MA: Bom, nós estamos no dia a dia do movimento estudantil. No Brasil nós temos os Diretórios Académicos e os Centros Académicos, que nós consideramos que são entidades de base porque elas são organizadas por cursos. É nosso dever estar nestas instâncias de base, é a partir delas que a gente pode ir organizando no primeiro momento assembleias por curso, e depois organizando assembleias da universidade, já que cada curso tem a sua pauta e há pautas que são comuns a todos os estudantes e isso deliberamos em Assembleia Geral. Para garantir que o movimento estudantil não se torne burocrático, para que não fique nas mãos de um setor da esquerda que nada está do nosso lado, que não está preocupado com as nossas demandas, mas com as demandas das direções dos partidos, acredito que seja necessário a nossa atuação fomentando a auto-organização dos estudantes, fomentando assembleias onde todos possam participar, seja de curso, seja geral, para que as nossas demandas sejam tiradas pelas assembleias, pelos cursos. Os CAs costumam fazer assembleias dos seus cursos, por exemplo para deliberar uma greve, o primeiro passo que nós tentamos garantir é que os CAs discutam o que é a greve, discutam as pautas da greve, as pautas do seu curso, e uma vez que a assembleia delibera a greve do seu curso, esse CA vai levar a deliberação numa assembleia geral e é na AG que a gente vai discutir as reinvidicações da nossa greve geral. Uma outra questão é quando nós temos pautas e a gente sabe que se for sentar na reitoria para negociar sem uma pressão dos estudantes, sem uma pressão da base, nós não seremos ouvidos, nossas demandas não serão atendidas: é necessário que estejamos em protesto, que estejamos nos organizando em ato, que estejamos pressionando a reitoria, se for necessário com ação mais radicalizada, ocupando os nossos locais de inserção, garantido que o movimento cresça dessa forma, que os estudantes entendam que é nós por nós, que os estudantes entendam que é só nós pela base, os de baixo que conseguem se organizar para levantar nossas demandas, nossas urgências.

AM: Enquanto militante do CQM e reconhecendo a importância da presença de uma tendência no movimento estudantil, gostaríamos que nos falasses de momentos em que sentiste que a existência da organização em que militas tenha sido determinante para o desenvolvimento do movimento.

MA: Como falei antes, observei a atuação do CQM antes de ter entrado, assim que cheguei na universidade, e vejo a importância de estarmos ali trazendo essa perspetiva de trabalho de base, essa perspetiva de democracia direta, trazendo essa perspetiva libertária dentro do movimento estudantil; é fomentando dentro dos nossos locais de inserção a importância de nós lutarmos por nós mesmos que conseguimos por exemplo fomentar ocupações. No Brasil estamos passando por graves ataques constantes aos nossos direitos, e no final do ano passado, estava em votação a reforma do ensino secundarista e a PEC-55 que congela os investimentos em saúde e educação por 20 anos, medidas do governo federal onde houve resistência por todo o Brasil, principalmente dos estudantes universitários e secundaristas. A nossa atuação dentro do movimento estudantil, especificamente no Paraná, foi importante para fomentar ações mais radicalizadas, para que os estudantes se estivessem organizando nos protestos, organizando em ações para dar visibilidade à nossa pauta e para nós resistirmos. Também foi muito importante o apoio às ocupações secundaristas para garantir a resistência dos estudantes face aos ataques.

AM: Quais são as principais dificuldades do CQM na construção de um movimento estudantil autónomo e combativo que identificas?

MA: Acredito que uma das principais dificuldades é que estando dentro do movimento estudantil, existem diferentes organizações diferentes partidos políticos, e esses partidos políticos tendem a trazer a sua perspetiva, burocratizada, que não compreende as reais demandas dos estudantes, está procurando os seus próprios interesses. Às vezes a gente está num processo de greve dos estudantes e existe sempre um movimento desses setores da esquerda institucional de parar, de atravancar o processo de greve, para que saiamos com derrota dentro da mobilização dos estudantes. Porém, é possível vencer estas dificuldades, porque os estudantes pouco têm proximidade com essa esquerda que muitas das vezes não está do nosso lado. Os estudantes podem não estar organizados em coletivos, podem estar atuando de maneira independente, mas eles estão diariamente na construção do movimento estudantil, são as suas demandas, as suas necessidades, é a sua permanência na universidade que está em jogo. Os estudantes, por mais que não estejam em alguma organização ou em algum coletivo, percebem a atuação e as divergências nas atuações, e aí nós podemos ser como uma referência dentro do movimento, mostrando que é possível outro caminho, que é possível uma organização dos estudantes de maneira autónoma. Nós não precisamos de disputar uma entidade burocrática de representação estudantil, nós podemos organizarmo-nos nós mesmas pelas nossas reinvidicações. Então, eu acredito que as dificuldades existem, as grandes entidades burocráticas estão aí, há muito tempo, mas é possível vencer através da luta constante, demonstrando a nossa prática através da luta, e através da nossa organização.

AM: Maya, para além de seres estudante, também és mulher. O que é que isso quer dizer no movimento estudantil brasileiro e no CQM?

MA: Sou mulher e é de extrema necessidade que a gente debata género, e debata as diferentes opressões porque a esquerda costuma não se importar, secundariza as questões e opressões, seja de género, raça, sexualidade, étnica, enfim, não se pode secundarizar, não existe hierarquia nesse debate. E como mulher é importante que esse debate aconteça porque as nossas demandas são diferentes das demandas dos homens. Por exemplo, existem mulheres que são estudantes-mães que muitas das vezes têm de sair da universidade porque não têm auxílio da universidade, não têm um auxílio-maternidade, não têm um suporte. É necessário que pensemos na estudante como mulher, e como mãe neste caso, para que ela continue na universidade. A nossa principal questão é que uma vez que a estudante entrou na universidade ela permaneça, e então temos de ir sempre pressionando para que as nossas demandas como mulheres sejam atendidas. É importante fortalecer o movimento feminista, eu acredito no movimento feminista pelo feminismo interseccional classista, que é também um dos príncipios do CQM, entendendo que existem diferentes mulheres, não somos apenas um tipo de mulher, e todas as mulheres precisam de ser respeitadas e todas as nossas demandas precisam de ser atendidas como mulheres. É de grande importância dentro do movimento estudantil que nós façamos valer a nossa voz, porque nós somos agredidas, somos violentadas todos os dias, a nossa voz é calada, e se a gente se organizar, de maneira autónoma e de maneira combativa também as nossas demandas serão atendidas.

AM: Para finalizar, enquanto visitaste Lisboa e Coimbra, sabemos que tiveste muitas conversas em que partilhaste a tua experiência de militância e conheceste um pouco mais de algumas das lutas que se travam neste momento em Portugal e das formas como nos temos organizado. Como vês a potencialidade de desenvolver o movimento estudantil aqui?

MA: Acredito que é bem possível para agora o movimento estudantil começar a tomar uma forma, começar a ganhar força. Vendo a realidade das universidades portuguesas, que está diferente das universidades brasileiras, existem demandas de extrema urgência que é muito possível que os estudantes através da organização reinvindicando essas demandas, tomem uma força. Por exemplo, a propina, a universidade ser pública porém não gratuita, é a exclusão no acesso à universidade que o estudante se depara, o estudante que não tem capacidade de pagar essa propina, que tem aumentado, e nós não podemos aceitar, a exclusão dos estudantes nós não podemos aceitar. Vi também que em Coimbra houve uma mobilização contra a Fundação, que entendo como um processo de privatização das universidades, e acredito que a resistência precisa continuar contra a Fundação, contra o aumento da propina, contra a propina. Há pautas muito urgentes e que são evidentes, é importante que se denuncie essas medidas, que se faça espaço para debater essas medidas com os estudantes, porque muitas das vezes o estudante, não que ele aceite pela sua passividade, mas muitas das vezes aceita porque não tem a perspetiva que é possível transformar isso, que uma vez que foi aprovado não é possível voltar atrás. Porém é possível; com uma mobilização dos estudantes de maneira forte, de maneira direta, é possível que a gente transforme esse cenário. O que eu vi nas universidades portuguesas é a mesma cara, as mesmas pessoas; é o mesmo perfil de estudante. Isso não pode acontecer, isso é uma universidade elitista, isso é uma universidade excludente. As universidades brasileiras passaram por uma mudança através da política de cotas, por uma mobilização. Acredito que só a luta muda a vida, que só a mobilização pode transformar um cenário, e penso que com essas pautas é possível garantir uma mobilização.

É interessante, nós que temos uma perspetiva diferente da esquerda institucional, uma perspetiva diferente de algo de cima para baixo, de algo hierárquico, de pessoas que pensam e outras executam, é importante que estejamos no movimento de maneira organizada, de maneira coletiva também, porque quando a gente age individualmente não é tão efetivo como quando a gente age coletivamente; e nós que que somos estudantes, nós estamos na universidade, a universidade é nossa, temos de lutar pela nossa permanência e pela entrada de outros estudantes como nós. As pautas existem, o movimento estudantil em Portugal pode estar inerte, pode não estar acontecendo, porém existem demandas, existem estudantes que não estão entrando, existem estudantes que estão saindo porque não conseguem se manter nela. Então é esse momento, é essa forma, é denunciando isso, é organizando protestos, organizando debates, trazendo a perspetiva de mudar isso através da organização dos estudantes que a gente consegue começar um movimento estudantil.  Esse movimento ele quebra muros, ele é para além do movimento estudantil, está atuando contra medidas sejam do governo sejam medidas maiores. Está em apoio, solidariedade, não só com outros estudantes, mas também, com os trabalhadores, com os campesinos, com os imigrantes, com as mulheres, com as pessoas negras, com os LGBT.

Nós temos de estar do lado dos de baixo, e bem, é dessa forma, rompendo os muros, organizando o movimento estudantil e estando lado a lado dos movimentos sociais.

(E é isso.)

AM: Muito obrigada Maya, arriba las que luchan!

AM e MA: SE ESCUCHA, SE ESCUCHA, ARRIBA LAS QUE LUCHAN!

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Europeísmo, extrema-direita, e liberdade

 “A unidade é o objectivo para o qual tende irresistivelmente a humanidade. Mas ela torna-se um factor de morte, destruidora da inteligência, da dignidade, da prosperidade dos indivíduos e dos povos, sempre que se constitui fora da liberdade, seja pela violência, seja sob a autoridade de uma qualquer ideia teológica, metafísica, política, ou mesmo económica.”
– Mikhail Bakunin, Os Estados Unidos da Europa

Fundamentado por um pretenso internacionalismo e humanismo, o europeísmo de esquerda, em Portugal interpretado por LIVRE¹ e Partido Socialista, tem vindo a apresentar-se como antítese da extrema-direita conservadora e nacionalista, com a defesa da abertura de fronteiras e da partilha cultural e política através de órgãos comuns, que assegurariam a paz e os direitos humanos na Europa. Porém, em vez de conseguir concretizar uma oposição ao crescimento do ódio e da tensão de carácter chauvinista e xenófobo, a atuação dos europeístas tem vindo a estimulá-los.

Podemos encontrar razões económicas e políticas para o que pode parecer uma contradição, mas que na realidade é apenas uma decorrência lógica do reformismo europeísta.

O europeísmo carrega consigo uma visão economicista, de que um retrocedimento no processo da globalização dificultaria o desenvolvimento económico do território nacional, valorizando a entrada de capitais estrangeiros e a circulação facilitada da mão-de-obra e mercadorias. Na verdade, a União Europeia para as populações dos países economicamente semi-periféricos, da sua periferia interna, tornou-se apenas uma auto-estrada para a precariedade e um hino para a dependência externa. Num cenário em que a estabilidade das pessoas e os seus direitos foram e são constantemente atacados devido à permanência na zona euro, não seria de estranhar que a classe trabalhadora começasse a ser mais céptica ou até antagónica à ideia da moeda única, do mercado comum, do pagamento da dívida, e da União Europeia. Porém, a esquerda europeísta, ao rejeitar fazer a conexão dos vários pontos e concluir o óbvio, continua a propagar fantasias sobre o progresso e os benefícios do pacote europeu, deixando que a crítica seja feita pela extrema-direita, e na direção errada. O problema já não será necessariamente o euro, mas os imigrantes. O problema já não será uma União Europeia dos Estados e não dos Povos, mas sim uma União Europeia que ajuda refugiados de guerra. O problema já não será a falta de segurança provocada pelo capitalismo, mas o ataque à tradição e aos bons costumes. Parece quase que, com a expansão da extrema-direita na França, na Holanda, na Alemanha, etc, em breve continuaremos a ter uma União Europeia sim, mas da extrema-direita.

Notemos que mesmo não sendo europeístas, o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, ao colocarem à frente do não-pagamento da dívida e da saída do euro uma aliança com o Partido Socialista, promovendo a fantasia do fim do período de austeridade e do governo “de esquerda”, contribuem para a perda de foco. Tanto o suporte ideológico como uma crítica de segundo plano, um eurocepticismo tímido, são catalisadores da reação provocada pelos ataques da burguesia europeia.

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Imagem retirada de https://www.economist.com/blogs/graphicdetail/2016/05/daily-chart-18

Bakunin dizia que a nacionalidade nunca poderia ser elevada a princípio, mas sim ser apenas uma «consequência natural do princípio supremo da liberdade, deixando de ser um direito no momento em que se coloca quer contra a liberdade, quer simplesmente fora da liberdade», e quem diz nacionalidade, também pode dizer continentalidade. Quando se eleva a Europa a princípio, desconsidera-se tacitamente o princípio da liberdade. O europeísmo não é nada mais que uma deturpação burguesa do internacionalismo, mais próximo da imposição de uma comunidade imaginada, por parte da classe política e da burguesia, aos povos, do que do livre entendimento entre os mesmos. O nosso lado tem de ser o das classes populares e não o da “Europa”. Elevar a Europa a princípio de um projeto político é portanto não só autoritário, mas também uma colaboração de classes, sacrificando «sistematicamente os interesses reais a um, assim dito, bem público, que não é outro senão o das classes privilegiadas». Os “libertários” europeístas, de libertários não têm nada.

A alternativa internacionalista e socialista não é construir a união dos povos através dos corpos de repressão e exploração da classe trabalhadora. Nenhum estado ou parlamento poderá construir a unidade proletária internacionalista de que mais necessitamos. A alternativa internacionalista e socialista é construir essa unidade através das organizações da classe trabalhadora. Através dos sindicatos, das associações de bairro, das redes de solidariedade, do movimento estudantil, federados entre si até uma escala internacional. O começo da aproximação da central sindicalista revolucionária Industrial Workers of the World (IWW)  às centrais anarco-sindicalistas da Europa é um bom sinal para esta necessidade internacional. O investimento da Associação Internacional das e dos Trabalhadores (IWA-AIT) na Ásia, com a intensificação de relações com a organização indonésia anarco-sindicalista PPAS, e a campanha de solidariedade com a greve dos trabalhadores da UBER na Indonésia, também é exemplar para este fim e merece reconhecimento. É urgente cortar não só com o europeísmo, mas também com o eurocentrismo que lhe vem implícito.

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Imagem retirada da página da IWA-AIT

Em Portugal, onde podemos dizer que a maior parte do sindicalismo se encontra-se burocratizado e rendido à social-democracia, o nosso trabalho começa por construir e fortalecer organizações de tendência sindicalistas revolucionárias, sindicais, comunitárias, estudantis, como a Resistência Estudantil Luta e Liberdade, que para além de promoverem a combatividade no campo social, comecem a criar ligações com as outras organizações de tendência no mundo. Não estamos a falar portanto de um futuro longínquo, de um período hipotético que nem sabemos se irá chegar. Estamos a falar do aqui e agora. Temos o que fazer aqui e agora, e certamente não é legitimar as instituições que nos dominam.

Os laços internacionais da nossa classe devem ser construídos a partir da solidariedade e da articulação de lutas comuns, e não impostos por uma classe de burocratas. Esta é a única opção ao nosso dispor, se, é claro, estivermos realmente com os e as de baixo.

 


Notas:

¹ Dada a irrelevância política e social do LIVRE, uma figura que é mediática não por mérito próprio mas pelo oportunismo dos seus mentores, este acaba por ser apenas uma caricatura do europeísmo, sem impacto real e cada vez mais apenas um braço do PS.


Bibliografia

BAKUNIN, Mikhail, “Os Estados Unidos da Europa”, 1868

Embat, Análisis de Coyuntura 2016 para el Encuentro Libertario «Apuesta Directa», 2016 

no1, Uber drivers strike on Indonesia, 2017

O Paradigma da Revolução Espanhola e o Movimento Anarco-Sindicalista

Dia 19 de Julho de 2017, fazem 81 anos desde o começo da resistência popular contra o golpe de estado fascista em Espanha, o começo daquele que é provavelmente o processo revolucionário que mais marcou o ideário do movimento anarco-sindicalista internacional até aos dias de hoje. Falar da Revolução Espanhola é falar de uma revolução que apesar de tudo o que nos demonstrou ou reafirmou ser possível, foi derrotada. O movimento anarco-sindicalista, na sua generalidade, tem explicado esta derrota simplesmente como derivada da traição do PSUC (estalinista) e do virar de costas das democracias burguesas europeias. Tem faltado um reconhecimento e uma autocrítica sobre como o modelo de atuação anarco-sindicalista também pode ter tido a sua parte da responsabilidade nesta derrota; pouco se tem debruçado sobre a traição dos dirigentes da CNT à classe trabalhadora e a forma como o movimento não teve capacidade de resistir à degeneração levada a cabo pelos mesmos.

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Porque é que Nos Opomos à Polícia

Com os recentes acontecimentos no G20 em Hamburgo e a acusação pelo Ministério Público de 18 agentes da PSP por racismo, ódio, tortura, e sequestro, os temas da polícia, violência policial, e legitimidade de autodefesa têm estado em cima da mesa nestes últimos dias, parecendo-me pertinente traduzir o texto “Porque é que Nos Opomos à Polícia”, da autoria do coletivo CrimethInc., que descorrendo sobre a legitimidade da nossa oposição às forças da Ordem, incentiva a tomada de tal lado da luta e a demissão dos agentes policiais.


No inconsciente coletivo da nossa sociedade, a polícia é o bastião final da realidade, a força que assegura que as coisas continuam como estão; combatê-la e ganhar, mesmo que temporariamente, é mostrar que essa realidade é negociável.

O criticismo da oposição à polícia geralmente varia por entre cinco categorias. O primeiro e mais comum argumento é que a polícia, enquanto colegas trabalhadores, também são membros explorados do proletariado, e que deviam portanto ser nossos aliados. Infelizmente, há um fosso vasto entre “devem” e “são”. A polícia existe para forçar a vontade dos poderosos; qualquer pessoa que nunca tenha tido uma má experiência com eles é muito provavelmente ou privilegiada ou submissa. Os agentes da polícia de hoje em dia, pelo menos na América do Norte, sabem exactamente para onde estão a entrar ao juntarem-se às forças policiais;  pessoas de uniforme não tiram apenas gatos de cima de árvores neste país. Sim, muitos aceitam o emprego devido ao que sentem ser necessidade económica, mas precisar de um salário não é desculpa para obedecer a ordens de despejo de famílias, abusar de jovens de cor, ou lançar gás-pimenta a manifestantes; aqueles a quem as consciências podem ser compradas são inimigos de toda a gente, não potenciais aliados.

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O papel do sindicato revolucionário no dia a dia da luta de classes

O grupo de tradução partilhado do CEL_Lisboa e da AIT-SP Lisboa começou a traduzir em Janeiro o livro “Fighting for Ourselves” da Solidarity Federation (Secção do Reino Unido da IWA-AIT). Optámos por iniciar esta aventura pelo capítulo final, em que se analisa o campo de ação do anarco-sindicalismo no século XXI. Iremos publicar semanalmente cada parte deste capítulo, seguindo depois com os restantes capítulos.


O papel do sindicato revolucionário no dia a dia da luta de classes

O que estamos a descrever é por vezes referido como sindicalismo minoritário, mas isto é de certa forma enganador por dois motivos. Primeiramente, como demonstrado já anteriormente, muitos dos grandes sindicatos reformistas são na prática, em termos de presença nos locais de trabalho, organizações de minorias. Não é raro nem sequer haver ativistas sindicais num determinado local de trabalho “sindicalizado”. Mesmo quando há, o mais comum é um ou dois a trabalharem para todo um departamento ou empregador. É raro num sindicato reformista encontrarmos uma larga densidade de militantes num só local de trabalho. Portanto todos os sindicatos, em termos de atividade quotidiana, são como Emile Pouget disse, “uma minoria ativa.” Em segundo lugar, não somos uma minoria propositadamente, mas sim devido à atual situação. Nós, é claro, procuramos a mais ampla adoção possível dos princípios e métodos anarco-sindicalistas por toda a classe trabalhadora. Apenas não vemos razão para esperar até esse momento para nos organizarmos. Precisamos de usar a nossa capacidade de organização nas lutas do aqui e agora.

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A Organização II, Malatesta

Estando admitida a existência de uma coletividade organizada sem autoridade, isto é, sem coerção, caso contrário, a anarquia não teria sentido, falemos da organização do partido anarquista.

Mesmo nesses casos, a organização nos parece útil e necessária. Se o partido, ou seja, o conjunto dos indivíduos que têm um objetivo em comum e se esforçam para alcançá-lo, é natural que se entendam, unam suas forças, compartilhem o trabalho e tomem todas as medidas adequadas para desempenhar esta tarefa. Permanecer isolado, agindo ou querendo agir cada um por sua conta, sem se entender com os outros, sem preparar-se, sem enfeixar as fracas forças dos isolados, significa condenar-se à fraqueza, desperdiçar sua energia em pequenos atos ineficazes, perder rapidamente a fé no objetivo e cair na completa inação.

Mas isto parece de tal forma evidente que, ao invés de fazer sua demonstração, responderemos aos argumentos dos adversários da organização.

Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”. Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente, e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas que estará com certeza ultrapassado amanhã.

Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade, sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um químico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa. Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente, precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa, com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.

Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir para realizar a anarquia, e que, por consequência, precisam fixar um objetivo a alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que, jamais colocando suas ideias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.

A outra objeção é que a organização cria chefes, uma autoridade. Se isto é verdade, se é verdade que os anarquistas são incapazes de se reunirem e de entrarem em acordo entre si sem se submeter a uma autoridade, isto quer dizer que ainda são muito pouco anarquistas. Antes de pensar em estabelecer a anarquia no mundo, devem pensar em se tornar capazes de viver como anarquistas. O remédio não está na organização, mas na consciência perfectível dos membros.

Evidentemente, se numa organização, deixa-se a alguns todo o trabalho e todas as responsabilidades, se nos submetemos ao que fazem alguns indivíduos, sem pôr a mão na massa e procurar fazer melhor, esses “alguns” acabarão, mesmo que não queiram, substituindo a vontade da coletividade pela sua. Se numa organização todos os membros não se interessam em pensar, em querer compreender, em pedir explicações sobre o que não compreendem, em exercer sobre tudo e sobre todos as suas faculdades críticas, deixando a alguns a responsabilidade de pensar por todos, esses “alguns” serão os chefes, as cabeças pensantes e dirigentes.

Todavia, repitamos, o remédio não está na ausência de organização. Ao contrário, nas pequenas como nas grandes sociedades, excetuando a força brutal, a qual não nos diz respeito no caso em questão, a origem e a justificativa da autoridade residem na desorganização social. Quando uma coletividade tem uma necessidade e seus membros não estão espontaneamente organizados para satisfazê-la, surge alguém, uma autoridade que satisfaz esta necessidade servindo-se das forças de todos e dirigindo-as à sua maneira. Se as ruas são pouco seguras e o povo não sabe se defender, surge uma polícia que, por uns poucos serviços que presta, faz com que a sustentem e a paguem, impõe-se a tirania. Se há necessidade de um produto e a coletividade não sabe se entender com os produtores longínquos para que eles enviem esse produto em troca por produtos da região, vem de fora o negociante que se aproveita da necessidade que possuem uns de vender e outros de comprar e impõe os preços que quer a produtores e consumidores.

Como vedes, tudo vem sempre de nós: quanto menos estávamos organizados, mais nos encontrávamos sob a dependência de certos indivíduos. E é normal que tivesse sido assim.

Precisamos estar relacionados com os camaradas das outras localidades, receber e dar notícias, mas não podemos todos nos correspondermos com todos os camaradas. Se estamos organizados, encarregamos alguns camaradas de manter a correspondência por nossa conta; trocamo-os se eles não nos satisfazem, e podemos estar informados sem depender da boa vontade de alguns para obter uma informação. Se, ao contrário, estamos desorganizados, haverá alguém que terá os meios e a vontade de corresponder; ele concentrará em suas mãos todos os contatos, comunicará as notícias como bem quiser, a quem quiser. E se tiver atividade e inteligência suficientes, conseguirá, sem nosso conhecimento, dar ao movimento a direção que quiser, sem que nos reste a nós, a massa do partido, nenhum meio de controle, sem que ninguém tenha o direito de se queixar, visto que este indivíduo age por sua conta, sem mandato de ninguém e sem ter que prestar contas a ninguém de sua conduta.

Precisamos de um jornal. Se estamos organizados, podemos reunir os meios para fundá-lo e fazê-lo viver, encarregar alguns camaradas de redigi-lo e controlar sua direção. Os redatores do jornal lhe darão, sem dúvida, de modo mais ou menos claro, a marca de sua personalidade, mas serão sempre pessoas que teremos escolhido e que poderemos substituir. Se, ao contrário, estamos desorganizados, alguém que tenha suficiente espírito de empreendimento fará o jornal por sua própria conta: encontrará entre nós os correspondentes, os distribuidores, os assinantes, e fará com que sirvamos seus desígnios, sem que saibamos ou queiramos. E nós, como muitas vezes aconteceu, aceitaremos ou apoiaremos este jornal, mesmo que não nos agrade, mesmo que tenhamos a opinião de que é nocivo à Causa, porque seremos incapazes de fazer um que melhor represente nossas idéias.

Desta forma, a organização, longe de criar a autoridade, é o único remédio contra ela e o único meio para que cada um de nós se habitue a tomar parte ativa e consciente no trabalho coletivo, e deixe de ser instrumento passivo nas mãos dos chefes.
Se não fizer nada e houver inação, então, certamente, não haverá nem chefe, nem rebanho; nem comandante, nem comandados, mas, neste caso, a propaganda, o partido, e até mesmo a discussão sobre a organização, cessarão, o que, esperamos, não é o ideal de ninguém…

Contudo, uma organização, diz-se supõe a obrigação de coordenar sua própria ação e a dos outros, portanto, violar a liberdade, suprimir a iniciativa. Parece-nos que o que realmente suprime a liberdade e torna impossível a iniciativa é o isolamento que produz a impotência. A liberdade não é direito abstrato, mas a possibilidade de fazer algo. Isto é verdade para nós como para a sociedade em geral. É na cooperação dos outros que o homem encontra o meio de exercer sua atividade, seu poder de iniciativa.

Evidentemente, organização significa coordenação de forças com um objetivo comum, e obrigação de não promover ações contrárias a este objetivo. Mas quando se trata de organização voluntária, quando aqueles que dela fazem parte têm de fato o mesmo objetivo e são partidários dos mesmos meios, a obrigação recíproca que a todos engaja obtém êxito em proveito de todos. Se alguém renuncia a uma de suas idéias pessoais por consideração à união, isto significa que acha mais vantajoso renunciar a uma idéia, que, por sinal, não poderia realizar sozinho, do que se privar da cooperação dos outros no que acredita ser de maior importância.

Se, em seguida, um indivíduo vê que ninguém, nas organizações existentes, aceita suas idéias e seus métodos naquilo que têm de essencial, e que em nenhuma organização pode desenvolver sua personalidade como deseja, então estará certo em permanecer de fora. Mas, se não quiser permanecer inativo e impotente, deverá procurar outros indivíduos que pensem como ele, e tornar-se iniciador de uma nova organização.

Uma outra objeção, a última que abordaremos, é que, estando organizados, estamos mais expostos à repressão governamental.

Parece-nos, ao contrário, que quanto mais unidos estamos, mais eficazmente nos podemos defender. Na realidade, cada vez que a repressão nos surpreendeu enquanto estávamos desorganizados, colocou-nos em debandada total e aniquilou nosso trabalho precedente. Quando estávamos organizados, ela nos fez mais bem do que mal. Assim também no que concerne ao interesse pessoal dos indivíduos: por exemplo, nas últimas repressões, os isolados foram tanto e talvez mais gravemente atingidos do que os organizados. É o caso, organizados ou não, dos indivíduos que fazem propaganda individual. Para aqueles que nada fazem e ocultam suas convicções, o perigo é certamente mínimo, mas a utilidade que oferecem à Causa também o é.
O único resultado, do ponto de vista da repressão, que se obtém por estar desorganizado é autorizar o governo a nos recusar o direito de associação e tornar possível monstruosos processos por associação delituosa. O governo não agiria dessa forma em relação às pessoas que afirmam de modo altivo e público, o direito e o fato de estarem associados e, se ousasse fazê-lo, isto se voltaria contra ele e em nosso proveito.

De resto, é natural que a organização assuma as formas que as circunstâncias aconselham e impõem. O importante não é tanto a organização formal, mas o espírito de organização. Podem acontecer casos, durante o furor da reação, em que seja útil suspender toda correspondência, cessar todas as reuniões: será sempre um mal, mas se a vontade de estar organizado subsiste, se o espírito de associação permanece vivo, se o período precedente de atividade coordenada multiplicou as relações pessoais, produziu sólidas amizades e criou um real acordo de idéias de conduta entre os camaradas, então o trabalho dos indivíduos, mesmo isolados, participará do objetivo comum. E encontrar-se-á rapidamente o meio de nos reunirmos de novo e repararmos os danos sofridos.

Somos como um exército em guerra e podemos, segundo o terreno e as medidas tomadas pelo inimigo, combater em massa ou em ordem dispersa: o essencial é que nos consideremos sempre membros do mesmo exército, que obedeçamos todos às mesmas idéias diretrizes e que estejamos sempre prontos a nos reunirmos em colunas compactas quando for necessário e quando se puder fazer algo.

Tudo o que dissemos se dirige aos camaradas que são de fato adversários do princípio da organização. Àqueles que combatem a organização, somente porque não querem nela entrar, ou não são aceitos, ou não simpatizam com os indivíduos que dela fazem parte, dizemos: façam com aqueles que estão de acordo com vocês outra organização. É verdade, gostaríamos de poder estar, todos nós, de acordo, e reunir em um único feixe poderoso todas as forças do anarquismo. Mas não acreditamos na solidez das organizações feitas à força de concessões e de restrições, onde não há entre os membros simpatia e concordância real. É melhor estarmos desunidos que mal unidos. Mas gostaríamos que cada um se unisse com seus amigos e que não houvessem forças isoladas, forças perdidas.

Errico Malatesta, primeira edição em Agitazione de Ancone, 11/07/1897

retirado de https://www.marxists.org/portugues/malatesta/1897/07/11.htm

De organização de propaganda a sindicato revolucionário

O grupo de tradução partilhado do CEL_Lisboa e da AIT-SP Lisboa começou a traduzir em Janeiro o livro “Fighting for Ourselves” da Solidarity Federation (Secção do Reino Unido da IWA-AIT). Optámos por iniciar esta aventura pelo capítulo final, em que se analisa o campo de ação do anarco-sindicalismo no século XXI. Iremos publicar semanalmente cada parte deste capítulo, seguindo depois com os restantes capítulos.


ANARCO-SINDICALISMO NO SÉCULO XXI

Introdução

Neste último capítulo, apresentamos a nossa visão sobre o anarco-sindicalismo hoje. Analisamos desde como passar de uma simples organização de propaganda política para um sindicato revolucionário capaz de tomar a iniciativa de organizar e catalisar a luta de classes no âmbito económico e social.  Fulcral a esta estratégia é o potencial da ação direta para proporcionar confiança, capacidade e auto-organização dentro da classe trabalhadora, e assim lutar servindo como “escola do socialismo”. Defendemos que um sindicato revolucionário é uma componente essencial para um movimento revolucionário dos trabalhadores. Não só para a organização e catalisação da luta, como também para fornecer tanto uma infraestrutura física como organizacional para a classe operária, e um ponto de partida para inúmeras iniciativas de anti-opressão, auto-educação e cultura, tanto dentro desta como para além das suas fileiras. Apresentamos como é que este tipo de organização política e económica pode ajudar o reaparecimento de um movimento militante e revolucionário dos trabalhadores e a necessidade de unificar todos os trabalhadores revolucionários do mundo. Para finalizar, iremos fazer um esboço de como uma revolução social pode vir a ser numa escala mundial e o papel revolucionário que os sindicatos revolucionários devem ter nesse processo.

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O Papel das Graduadas

(Nota inicial: o artigo abaixo está contextualizado nas lutas estudantis do estado espanhol, porém a ideia geral também se aplica a Portugal)

Durante os últimos anos tens andado a estudar muito, a stressar nas épocas de exames, a pagar as matrículas uma, duas, três vezes ou mais… e também te inscreveste no instituto de línguas para sacar aquele nível de Inglês, talvez pensas que o tempo que dedicaste à militância no movimento estudantil podias tê-lo dedicado aos estudos e quem sabe assim não tivesses repetido esta ou aquela cadeira… ou até evitado aquele curso desastroso em que quase não passavas a nenhuma.

É bem provável que chegues a pensar isto, ou algo parecido, se a tua situação for a de estar a acabar a universidade e durante os teus anos na mesma havias estado no movimento estudantil. Isto é assim porque nos últimos anos, poucos ou nenhuns são os casos em que as organizações estudantis ou o movimento estudantil onde existe, tenham tido pretensões reais de transformar a sociedade, de melhorar-la.

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Seremos boas o suficiente?

Tendo recentemente sido o aniversário da morte de Piotr Kropotkin e do último grande evento público anarquista na União Soviética, e homenageando aquele que muito aprofundou o conceito de Apoio Mútuo, publicamos para começar um artigo de Kropotkin, do nº21 do jornal Freedom de Junho de 1888.

Nota inicial: o seguinte texto foi adaptado de forma a ter uma linguagem mais inclusiva, onde antes dizia “homens”, substituímos por “pessoas”.

Seremos boas o suficiente?

Uma das objecções mais comuns ao Comunismo é que nem todas as pessoas são boas o suficiente para viver num estado Comunista. Não se submeteriam a um Comunismo compulsório, mas também não estão ainda preparadas para serem livres, num Comunismo Anarquista. Séculos de educação virada para o individualismo, tornaram-nos demasiado egoístas e mesquinhos. Escravatura, submissão ao mais forte e trabalho debaixo do chicote da necessidade, renderam-nos inaptos para uma sociedade em que todos seriam livres de todas estas obrigações, excepto aquelas derivadas de um ato voluntário do mesmo, e da desaprovação dos outros caso ele não cumpra esse compromisso. Assim sendo, é-nos dito que é necessário um estado intermédio, antes de se transitar para o Comunismo.

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