(Nota inicial: o artigo abaixo está contextualizado nas lutas estudantis do estado espanhol, porém a ideia geral também se aplica a Portugal)
Durante os últimos anos tens andado a estudar muito, a stressar nas épocas de exames, a pagar as matrículas uma, duas, três vezes ou mais… e também te inscreveste no instituto de línguas para sacar aquele nível de Inglês, talvez pensas que o tempo que dedicaste à militância no movimento estudantil podias tê-lo dedicado aos estudos e quem sabe assim não tivesses repetido esta ou aquela cadeira… ou até evitado aquele curso desastroso em que quase não passavas a nenhuma.
É bem provável que chegues a pensar isto, ou algo parecido, se a tua situação for a de estar a acabar a universidade e durante os teus anos na mesma havias estado no movimento estudantil. Isto é assim porque nos últimos anos, poucos ou nenhuns são os casos em que as organizações estudantis ou o movimento estudantil onde existe, tenham tido pretensões reais de transformar a sociedade, de melhorar-la.
Por um lado, a atividade tem andado a girar em torno da inércia e da oposição, de defesa contra o que se queria impor e cortar, porém sem uma força real para vencer ditas resistências. Tal implicou que não se alcançasse uma vitória nessas lutas. Exemplo disto pode ser a implantação do plano Bolonha na universidade, ou a subida de taxas na maioria dos territórios do estado espanhol. Podíamos falar do exemplo atual da LOMCE, ao que esta última tem as suas próprias particularidades dada a sua instrumentalização por parte da oposição parlamentar.
Por outro lado temos as organizações estudantis. Estas não souberam ou nem sequer pretenderam criar um movimento estudantil, não traçaram linhas estratégicas para tentar ativar um maior número de estudantes, não procuraram tomar lutas aceitáveis que terminassem em vitórias para contrabalançar as perdas que o movimento estava a sofrer… em última análise, as organizações estudantis têm andado na sua luta particular de siglas e “pesca” por recursos humanos para as suas organizações juvenis e/ou partidos parlamentares, deixando de lado a criação de movimento.
Ou seja, não tiveram a pretensão real de mudar nada, não foram capazes de criar, com a classe estudantil, um contrapoder, um corpo social com a capacidade de transformar a sociedade… não foram organizações revolucionárias.
Com este panorama, como estava a dizer, é normal que chegues a pensar que a época de praticar este “hobby” que conheces por ativismo ou estar organizado chegou ao seu fim, porém há outra forma de vê-lo, e portanto, de atuar.
Todas as horas que dedicaste a organizar aquele evento, essa experiência da hora de falar em público ou de moderar uma assembleia, essa capacidade de procurar aquilo que necessitas partindo do zero e sem ajuda… são conhecimentos, teóricos e práticos, que adquiriste à base da tentativa-erro. Este conhecimento podia ser arquivado no teu currículo e completar assim a tua formação académica. Mas sei que simplesmente não podes fazer isto.
Tu és uma pessoa que tem andado anos metida em assembleias infinitas, colagens de cartazes, reuniões improdutivas, manifestações com muita gente, com pouca gente, procissões, revoltas, debates… e não o fizeste porque te davam créditos, fizeste-o porque sentias que devias fazer essas coisas, que devias estar aí. E isso sei-lo porque se não fosse assim, já não estarias a ler este artigo.
É por isso que tenho uma proposta para ti, uma proposta que pode dar sentido a todas essas horas que aparentemente não resultaram em nada, uma proposta com a intenção de te envolver na criação de contrapoder, uma proposta para chegar a transformar a sociedade… ou seja, uma proposta revolucionária.
Amanhã, quando estiveres no teu posto de trabalho, um posto de “alta gama” por assim dizer, já que esse é o teu perfil laboral como graduado, converte-te em algo mais que um trabalhador, converte-te num profissional ao serviço do povo, sê um quadro revolucionário dentro da empresa em que trabalhares.
Quando digo revolucionário não é para que fique bonito, refiro-me a participares ativamente na construção de poder popular dentro do teu trabalho. De que forma?
Uma forma pode ser a de destinar uma percentagem do teu salário ao sindicato, não o sindicato corporativista que habitualmente tem os postos técnicos, mas o sindicato que busque a criação de poder operário mediante o sindicalismo revolucionário.
Outra maneira de contribuir seria o servir, dada a tua posição no processo produtivo na empresa, de acesso a determinadas informações para o dito sindicato.
De igual modo, pelos teus conhecimentos, podias ajudar na preparação para o futuro controlo da empresa por parte do sindicato, desde a formar trabalhadores de planta para cobrir os postos técnicos e não ter que “comprar” no futuro o corpo técnico da empresa, até desenhar um processo produtivo que se planeia ter em determinado momento. Um exemplo deste último podia ser o processo de expropriação e gestão operária de 80% das indústrias e serviços de Catalunha entre 1936 e 1939.
Provavelmente escapam-me outras razões para as quais a existência de quadros revolucionários dentro das empresas será uma questão indispensável logo no princípio se realmente queremos transformar a sociedade e ter um povo organizado capaz de tomar as rédeas do seu futuro.
Aquilo de que estou segura, é que da mesma forma que tu estiveste ativo no anterior período de mobilizações que acabou de passar, agora muita mais gente estará também ativa neste novo ciclo que começa e nos seguintes que virão. Continuar a avançar e não abandonar a luta é o combustível que fará funcionar o motor quando todas as peças estiverem preparadas e colocadas. Por isso, podemos contar contigo?
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Traduzido por Clara Orfiso, membro do Núcleo de Lisboa da AIT-SP e do Núcleo Universitário do Coletivo Estudantil Libertário de Lisboa
Texto original de Alex, publicado na Regeneración Libertária: https://www.regeneracionlibertaria.org/el-papel-de-las-egresadas